sábado, 25 de fevereiro de 2012

Otto Maria Carpeaux (1900-1978)


por Leandro Konder

Em agosto de 1939 Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil, fugindo da Holanda, em companhia de sua mulher, dona Helena. Era um escritor austríaco antinazista, cuja vida tinha se tornado impossível na Áustria, anexada por Hitler à Alemanha. Vira o começo de uma época terrível da história da Europa e decidia vir para o “Novo Mundo”. Para sublinhar sua decisão de recusar qualquer conciliação com o que estava havendo no Reich, mudara seu sobrenome germânico Karpfen para o francês Carpeaux.
Chegou sem saber mais de quinze ou vinte palavras em português. Com sua extraordinária autodisciplina, porém, dedicou-se a aprender o idioma e três anos depois já falava o suficiente não só para obter a cidadania brasileira como também para escrever seu primeiro livro na nossa língua: uma coletânea de ensaios intitulada Cinza do purgatório.
Carpeaux tinha dificuldade para se comunicar oralmente com as pessoas. Primeiro, porque era muito gago. Depois, porque tinha uma deficiência na articulação do maxilar e, de vez em quando, o queixo como que se “soltava” ligeiramente, ficava um tanto “caído”, até o escritor “encaixá-lo” novamente com suas próprias mãos no devido lugar. Esses obstáculos o estimulavam a se expressar por escrito; e durante várias décadas ele alimentou a imprensa carioca e a imprensa paulista com artigos.
Em seus primeiros anos de atividade entre nós, Carpeaux se mostrava muito cauteloso em relação aos problemas políticos brasileiros. As autoridades do Estado Novo getuliano não tinham porque hostilizá-lo. Vendo que ele não era reprimido e sabendo que tinha vindo da Alemanha, alguns jovens intelectuais de esquerda passaram a desconfiar dele. Quando perceberam que Carpeaux, em seus artigos, criticava as posições do “marxismo-leninismo”, então, os aguerridos moços revolucionários o estigmatizaram como “nazistóide” (o que era grotesco, quando se leva em conta o fato de que o homem tinha vindo para cá fugindo do nazismo).
Carpeaux ficou, compreensivelmente, magoado com essas pessoas. Até o fim da vida, manifestou sempre irritação, por exemplo, contra Jorge Amado. Com seu rigor, descobriu que, num de seus romances, o autor da Tieta do agreste chamava a palavra “inacreditável” de advérbio; e se perguntou, ironicamente, em que outra literatura mundial seria possível encontrar um escritor consagrado capaz de confundir um adjetivo com um advérbio. Jorge Amado detestava Carpeaux (e nos anos sessenta chegou a haver pugilato num encontro entre os dois).
Clique e amplie a nota do Correio da Manhã do Rio de Janeiro

A importância da atuação de Carpeaux como crítico literário no Brasil dos anos quarenta e cinquenta foi enorme. Alfredo Bosi, o autor da excelente História concisa da literatura brasileira, recorda com emoção os artigos que lia, “cheios de verve, poesia e paixão”; e declara ter ficado marcado pela postura despreconceituosa que encontrou no ensaísta austríaco: “a ampla margem de liberdade que ele se atribuía ao enfrentar qualquer autor e ao exercer qualquer método”. O ensaísmo de Carpeaux, na avaliação de Bosi, “é um diálogo com a historicidade profunda de todas as obras”.
Outro depoimento importante é o do nosso mestre Antonio Candido, que fala do “impacto renovador” causado pelos ensaios de Carpeaux...

CONCLUSÃO DE KONDER SOBRE CARPEAUX AQUI
OLAVO DE CARVALHO SOBRE OTTO MARIA CARPEAUX

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Luar do Sertão da Flor de Maracujá...


Muitos acreditam que Catulo da Paixão Cearense era um nome artístico adotado pelo famoso poeta do passado, mas não é nada disso. Esse era mesmo o seu verdadeiro nome, filho do ourives e relojoeiro Amâncio José da Paixão Cearense e de Maria Celestina Braga da Paixão, que moravam em São Luiz, no Estado do Maranhão.

Quanto à data de seu nascimento, alguns autores o identificam como sendo 8 de outubro de 1863, ao que parece ser a data mais correta, outros no entanto afirmam ser 31 de janeiro de 1866, e dizem que essa data foi arranjada para ele conseguir uma promoção num serviço público, mas isso não tem lá muita importância, pois a única diferença é o fato dele ter vivido um pouco mais ou menos.
Quando o pequeno Catulo tinha 10 anos de idade, seus pais e seus dois irmãos se mudaram para o sertão do Ceará, onde seus avós maternos, de origem portuguesa, tinham uma pequena fazenda para aqueles lados e assim eles permaneceram lá até 1880, quando Catulo, seus irmãos Gil e Gerson, e seus pais, se mudaram para o Rio de Janeiro, no bairro do Botafogo, onde o pai de Catulo abriu uma relojoaria.
Essa época em que eles moraram no sertão do Ceará marcou profundamente a vida do pequeno Catulo, e isso ia ser sempre um registro profundo em suas obras posteriores. Quando chegou ao Rio de Janeiro, Catulo já estava com 17 anos de idade e passou a frequentar as repúblicas de estudantes onde conheceu os compositores Anacleto de Medeiros, Quincas Laranjeiras, o flautista Viriato e o cantor Cadete, que eram os grandes nomes do Choro daquela época.
Por esse tempo aprendeu a tocar um pouco de flauta, mas achou melhor trocar pelo violão e aos 19 anos já não queria mais saber de frequentar a escola. Apesar de Catulo ter pouco frequentado a escola, ele sempre foi um autodidata autêntico e grande parte de sua cultura foi conseguida através de livros que adquiria, além de aprender música e fazer versos quase que naturalmente, como que já nascesse com esse dom.

Rolando Boldrin e a "Flor do Maracujá "

Em fins dos anos de 1880, seus pais faleceram e assim foi arranjar trabalho, foi continuo e estivador, depois voltou aos estudos matriculando no Colégio Teles Meneses, traduziu poetas famosos e também passou a lecionar línguas, e logicamente frequentava os meios boêmios da cidade. Conheceu o dono da Livraria do Povo, o livreiro Pedro da Silva Quaresma, que aceitou editar os folhetins de cordel, contendo os repertórios de modinhas, lundus e cançonetas da época.
Pouco tempo depois as suas canções já eram cantadas em gravações de Mário Pinheiro, Eduardo das Neves, Cadete e Vicente Celestino, entre outros, fazendo um grande sucesso no país inteiro, com sucessos como “Luar do Sertão”, “Ontem ao Luar” e “Caboca di Caxangá”, entre outros tantos, e publicou também diversas obras, muitas vezes reeditadas. Algumas de suas composições musicais, Catulo fez em parceria com Anacleto Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Francisco Braga, entre outros.
Catulo foi um dos poucos poetas, e talvez o único poeta brasileiro que se tornou imensamente popular ainda em vida, recebendo todas as glórias e honras, além de admiração de todos. Sabia como ninguém explorar suas qualidades para o seu sucesso. Apesar disso tudo morreu muito pobre, pois torrava tudo que ganhava em suas boemias.
 Os seus últimos dias foram num barracão, numa rua em Engenho de Dentro, que atualmente é conhecido como rua Catulo da Paixão Cearense, no subúrbio carioca. Catulo morreu no dia 10 de maio de 1946, aos 83 anos de idade. Foi embalsamado e exposto à visitação pública até o dia 13 de maio, quando foi enterrado no cemitério Francisco de Paula, no Largo do Catumbi, ao som de “Luar do Sertão”, seu maior sucesso.

João Pernambuco e Catulo
A toada “Luar do Sertão”, música cantada desde Vicente Celestino a Maria Bethânia, fala com versos ingênuos a vida campestre e encanta pela simplicidade melódica, que Catulo sempre defendeu em toda a sua vida como sendo o único autor, mas atualmente também se dá crédito da melodia a João Pernambuco.
Segundo historiadores, João Pernambuco teria modificado de uma canção anônima, um tema folclórico conhecido por “É do Maitá” ou “Meu Engenho é do Humaitá”, e mostrado a Catulo que colocou a letra nela. João Pernambuco era um homem simples, sequer alfabetizado era ele. Viveu entre 1883 a 1947, e foi admirado por Villa-Lobos, Almirante, e outras personalidades. No dia de seu enterro, Pixinguinha, Donga e alguns outros amigos, cantaram “Luar do Sertão” em sua homenagem.


Caricatura: João de Deus Netto - Blog PICINEZ

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Torquato Neto


"Um poeta não se faz com versos"

por Rodrigo de Andrade

Como Buda, Confúcio, Sócrates ou
Jesus, Torquato não deixou livros.
Paulo Leminski

O caso de Torquato Neto, hoje, é típico de autor mais citado que realmente lido. Artista multimídia, durante a segunda metade da década de 1960 e os primeiros anos da de 1970, envolveu-se com poesia, jornalismo, televisão, cinema e música. Figura-chave na eclosão da tropicália (e isso lhe teria garantido lugar de destaque na história da vanguarda artística brasileira), conquistou grande reputação entre o meio artístico-cultural como uma voz maldita, rebelde, marginal. Praticou suicídio na madrugada seguinte ao seu aniversário de 28 anos, no dia 10 de novembro de 1972. O feito ajudou a envolvê-lo numa aura romântica: o poeta que não temia a morte.
Aos 9 anos de idade, escrevera seu primeiro poema:
O meu nome é Torquato
O de meu pai é Heli
O da minha mãe Salomé
O resto ainda vem por aí

E, desde então, não parou mais. No segundo domingo de maio, presenteava a mãe com versos compostos com métrica e rima. Era muito interessado em literatura e línguas em geral e adorava redação, matéria obrigatória naqueles tempos de português quase vernáculo. Quando adulto, costumava dizer que sua matéria preferida na escola era aquela que o obrigava a escrever. Aos 11 anos, pediu ao pai, como prêmio pelo sucesso no exame de admissão ao ginásio, uma coleção das obras completas de Shakespeare, “especialmente com a peça Rei Lear”. Dona Salomé, surpresa, sugeriu que ele escolhesse um autor “mais fácil”, um título apropriado para a sua idade. O assunto foi encerrado quando ele argumentou: “Basta ler com atenção que a gente entende tudo”.


 O ano de 1959 seria marcante na vida de Torquato. Na época, lia muito Sommerset Maughan e Edgar Alan Poe, também havia devorado a obra E a Bíblia tinha razão, de Werner Keller. Em poesia, começava a renegar os românticos e passara a se dedicar aos simbolistas e modernistas. Concluiu o ginasial e optou por cursar o científico em Salvador, seguindo, em certo sentido, os passos do tio Mário Faustino e H. Dobal.

Apesar de ter deixado uma vasta produção em diversas áreas (cinema, jornais, letras de música, etc), em vida, não chegou a ter um único livro publicado. Postumamente, em 1973, a ex-esposa, Ana Maria Duarte, e o amigo Waly Salomão organizaram Os últimos dias de paupéria. A obra contem poemas, páginas de diário, colunas em jornais, conta com prefácio de Augusto de Campos e vinha com um compacto encartado. Com 116 páginas, os 5 mil exemplares se esgotaram rapidamente. Quase dez anos depois, em 1982, uma segunda e última edição da obra foi lançada. Revista e ampliada, então com quase 400 páginas, apresentava textos de Décio Pignatari, Luís Otávio Pimentel e Hélio Oiticica, além de uma entrevista com o autor feita por Régis Bonvicino. Novamente, o livro se esgotou de maneira rápida.

Com certa freqüência, seus poemas foram musicados por artistas do rock e da MPB, e escritos de sua autoria (alguns inéditos) foram incluídos em antologias poéticas no Brasil e exterior. Apenas em 2004, Torquatália é lançado (capas ao lado). Trata-se de dois volumes, ao estilo “obras completas”, com uma quantidade ainda maior de material inédito, incluindo-se aí todas as suas colunas em jornais (que o revelam como um precursor do estilo gonzo em nosso país). Organizados por Paulo Roberto Pires, os livros oferecem material em profusão, melhor ordenado e com novos dados fatuais preciosos. O resgate da produção do piauiense merece atenção, tanto pelo seu valor intrínseco, resultante de uma aguçada sensibilidade poética, quanto pelo vulto histórico, notável e marcante, do seu autor. Mesmo morto, a voz e as idéias de Torquato continuam a ecoar.


Confira abaixo uma biografia do artista que desenvolveu um modo marcante de ligar a poesia — em qualquer que seja a forma que ele escolha para se manifestar artisticamente — ao seu próprio fio vivencial.
Na medida do impossível:

ascensão e queda de um poeta maldito

Caricatura: João de Deus Netto, conterrâneo do poeta Torquato Neto. 



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