“'Quem sou eu?' Às vezes me comparo com as cobras, não por
serpentário ou venenoso, mas tão-só porque eu e elas mudamos de pele de vez em
quando. Usei muitas peles nessa minha vida já longa, e é delas que vou falar.
A primeira de minhas peles que vale a pena ser recordada é a do
filho da professora primária, Mestra Fininha, de uma cidadezinha do centro do
Brasil.
Outra saudosa pele minha foi a de etnólogo indigenista. Vestido
nela, vivi dez anos nas aldeias indígenas do Pantanal e da Amazônia.
Não os salvei e esta é a dor que mais me dói. Apenas consolam
algumas poucas conquistas, como a criação do Parque Indígena do Xingu e do
Museu do Índio, no Rio de Janeiro.
Pele que encarnei e encarno ainda, com orgulho, é a de educador,
função que exerço há quatro décadas. Essa, de fato, foi minha ocupação
principal desde que deixei etnologia de campo.
Eu investia contra o analfabetismo ou pela reforma da universidade
com mais ímpeto de paixão que sabedoria pedagógica. Não me dei mal. Acabei
ministro de educação de meu país e fundador e primeiro reitor da Universidade
de Brasília.
Outra pele que ostentei e ostento ainda é a de político. Sempre
fui, em toda a minha vida adulta, um cidadão ciente de mim mesmo como um ser
dotado de direitos e investido de deveres. Sobretudo o dever de intervir nesse
mundo para melhorá-lo.
Com a pele de político militante fui duas vezes ministro de
Estado, mas me ocupei fundamentalmente foi na luta por reformas sociais, que
ampliassem as bases da sociedade e da economia, a fim de criar uma prosperidade
generalizável a toda a população.
Fracassando nessa luta pelas reformas, me vi exilado por muitos
anos e vivi em diversos países. Minha pele de proscrito foi mais leve do que
poderia supor.
Meu ofício naqueles anos foi de professor de antropologia e,
principalmente, reformador de universidades. Disto vivi.
No exílio, devolvido a mim, me fiz romancista, cumprindo uma
vocação precoce que me vem da juventude.
Só no meu exílio, nos seus longos vagares, tive ocasião e desejo de novamente romancear.
1971 - Exílio na Venezuela
Só no meu exílio, nos seus longos vagares, tive ocasião e desejo de novamente romancear.
De volta do exílio, retomei minhas peles todas. Hoje estou no
Brasil lutando pelas minhas velhas causas: salvação dos índios, educação
popular, a universidade necessária, o desenvolvimento nacional a democracia, a
liberdade. No plano político, fui eleito vice-governador do Rio de Janeiro e
depois senador da República.
Essas são as peles que tenho para exibir. Em todas e em cada uma
delas me exerci sempre igual a mim, mas também variando sempre.”
Texto de Darcy Ribeiro
publicado em 1995 no livro de sua autoria O Brasil como Problema.
Darcy
Ribeiro nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros (MG), no Vale do São
Francisco, entrada do sertão nordestino. Falece em 17 de fevereiro de 1997. No seu último ano de vida,
dedicou-se especialmente a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com
cursos de educação a distância, e a Escola Normal Superior, para a formação de
professores de 1º grau.
RECONHECIMENTO
Como
reconhecimento de sua importância, Darcy foi agraciado com o título de Doutor
Honoris Causa pela Universidade de Paris IV - Sorbonne,
Universidade de Copenhague, Universidade da República do Uruguai e Universidade
Central da Venezuela.
A EDUCAÇÃO E A
POLÍTICA – NA FERIDA!
Mais Darcy
http://www.fundar.org.br/
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