LITERATIS QUAE SERA TAMEN

Murilo Mendes
          Murilo Monteiro Mendes nasceu em 13 de maio - "dia do aniversário da abolição da escravatura", como ele gostava de notar - de 1901, em Juiz de Fora (MG). Mal completara um ano, morreu-lhe a mãe. Aos nove anos, o mundo parou para ver a passagem do cometa Halley. Segundo Murilo, foi a visão do cometa que "o despertou para a poesia". Começou a Faculdade de Farmácia, abandonando o curso logo no segundo ano. No colégio interno de Niterói, iniciou a atividade literária. Comunicou à família que se recusaria a continuar estudando. Virou problema: o jovem que queria ser poeta.
O pai e a madrasta tentaram colocá-lo em algum emprego. Tentativas inúteis. Em 1921 foi morar no Rio de Janeiro, com um irmão, que conseguiu empregá-lo como arquivista de uma repartição pública. Colaborou em alguns jornais e, em seguida, na Revista de Antropofagia. Seu primeiro livro de poesia - Poemas - recebeu o prêmio Graça Aranha. Em 1934 passou por grave crise religiosa que o fez reassumir o cristianismo em que fora criado e que abandonara. Depois de duas viagens à Europa, fixou-se na Itália em 1957, lecionando cultura brasileira na Universidade de Roma. Morreu e foi sepultado em Lisboa, em 13 de agosto de 1975.
Murilo Mendes e Jorge de Lima fazem parte de um grupo de intelectuais que, na década de 30, encontraram no cristianismo a resposta para a crise econômica, política e ideológica que o mundo atravessava. Essa "conversão" ocorreu também com alguns intelectuais europeus, e deve ser compreendida não como a simples aceitação do catolicismo, mas como a proposta de um catolicismo mais voltado para os problemas humanos, terrenos. O chamado grupo espiritualista da segunda geração contaria ainda com Vinícius de Moraes e Cecília Meireles.
Embora seja um escritor pouco lido ainda hoje, a obra de Murilo Mendes apresenta uma superior qualidade literária. Sua produção poética permite destacar alguns aspectos - tanto temáticos quanto lingüísticos - que apontaremos a seguir, sempre lembrando que nenhum esquema dá conta da complexidade da obra de um bom poeta. O melhor mesmo é ler muitos poemas do autor.

PRÉ HISTÓRIA

Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!

Cai no álbum de retratos


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Murilo Rubião


por Daniel Schneider e Thiago Minani

Jornalista e escritor mineiro que somente se tornou reconhecido após a publicação de O Pirotécnico Zacarias em 1974, Murilo Rubião (1916-1991) é o primeiro contista moderno na incipiente literatura fantástica brasileira. Escreveu apenas alguns contos, a maioria redigida na busca obsessiva pela clareza característica ao seu estilo.
Seu primeiro e melhor livro, O Ex-Mágico (1947), foi recebido pela crítica com pouco interesse. O crítico Álvaro Lins reconheceu nele algumas qualidades, mas sem se entusiasmar. Mário de Andrade fez o mesmo, mas de maneira mais desconfiada. O livro (hoje em catálogo como Contos de Murilo Rubião) é um coletânea de 15 textos cujo título original é tirado de seu texto mais conhecido — O Ex-Mágico da Taberna Minhota. A história é de um mágico que está desencantado com o mundo. Ele é capaz de tirar animais do bolso e reconstituir as próprias mãos depois de cortá-las fora. Causa espanto e admiração no público, mas ainda assim não se surpreende com seus feitos e se sente entediado com a própria profissão. Tenta se suicidar, mas não consegue. Então passa a trabalhar como funcionário público, o que seria para ele uma espécie de morte lenta. Ele não morre, mas perde os poderes mágicos diante de toda a burocracia.
Evidentemente pontuada por críticas à sociedade, a narrativa utiliza o fantástico para atacar as precariedades do cotidiano, sem fantasias. Os elementos mágicos são tratados com naturalidade e não chegam a causar propriamente estranhamento no leitor — exceto pela excentricidade de alguns casos. “E, por mais absurdas que sejam as novas relações estabelecidas entre as coisas e o homem, a verdade é que elas não são mais absurdas do que as condições de vida normal, controlada pela razão: eis a lição amarga que se tira de sua sátira, tão poética e tão rica de invenção”, escreveu Carlos Drummond de Andrade ao autor. Para os críticos, há nisso uma grande semelhança com o universo de Franz Kafka — autor que Rubião desconhecia na época em que escreveu O Ex-Mágico. O humor irônico e gélido do escritor, que lembraria a literatura machadiana, recai sobre o tédio e a inércia do mundo, que segue inalterado mesmo diante dos feitos mágicos. Para o crítico Jorge Schwartz, “a solidão toma conta dos personagens, que se caracterizam por uma perpétua procura e um contínuo desencontro”. Entre os recursos sobrenaturais mais comuns estão a inversão da causalidade espaço-temporal, a tendência ao infinito, a metamorfose e o zoomorfismo e a contaminação homem-objeto. A linguagem clara, direta e coloquial contrasta com os enredos fantásticos. Mas, ao mesmo tempo, parece condizente com a origem na anedota mineira que está no coração de vários contos. A presença de Minas Gerais é constante, mas nunca explícita ou exaltada. Está emaranhada em um visão moderna que descreve os pequenos centros urbanos, os palcos das histórias — espaços cinzentos, decaídos e arruinados. Murilo Rubião é também autor de, entre outros, O Convidado (1974) e A Casa do Girassol Vermelho (1978).

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Wander Piroli


por Joca Reiners Terron
Escritor, designer gráfico e editor

Autor de raríssimos 3 volumes de histórias curtas, os celebrados “A mãe e o filho da mãe”, “A máquina de fazer amor” e “Minha bela putana”, Wander Piroli foi logo reconhecido como praticante de um “humanismo de negação”, no dizer de Franco Basaglia e Antonio Hohlfeldt, concedendo ao leitor seu testemunho de profundo otimista em relação à raça humana, ao mesmo tempo em que narra histórias absolutamente pessimistas. Seus personagens são os marginalizados de baixa extração social, os pedreiros e favelados, as prostitutas e cafetões e as marionetes atadas às convenções do inescapável jogo social de matrimônio e do trabalho, e os seus consequentes vícios para suportar a dor em decorrência de ambas as rotinas.

Dos venenos anti-monotonia para sobreviver ao tédio dos mecanismos de trator da vida moderna até o cotidiano facínora das zonas do baixo meretrício, o escritor belorizontino nascido em 1930 no bairro operário da Lagoinha soube abençoar com seu olhar piedoso os personagens da vida real imersos nas sombras da violência. É com esse olhar que ele os ilumina e resgata de sua vida insípida e desumana, e nisto se iguala a outros autores da literatura universal, como Knut Hamsun, John Fante, William Saroyan ou Charles Bukowski, além de ter influenciado importantes escritores brasileiros contemporâneos como Luiz Ruffato e Marçal Aquino. Essa vertente realista da literatura de Piroli, aliás, em sua linguagem direta, dispensa os aerosóis para disfarçar as inevitáveis moscas que sobrevoam a condição do homem nos subúrbios das grandes cidades de hoje em dia, e antecipou a recente voga de autores como Ferréz e Paulo Lins.

Vítima de um derrame em 1996 e morto em junho de 2006, Wander Piroli não teve livros editados nos últimos 22 anos, mas agora enfim surgem à luz livros inéditos produzidos nesse período de ocaso. O volume de contos “É proibido comer a grama” e o romance “Eles estão aí fora” permitem que o grande escritor das pessoas minúsculas ressurja, e com eles dá ao leitor brasileiro a oportunidade de redescobrir o que não deve ser esquecido.

Nota do Blog PICINEZ
O escritor Wander Piroli teve seu livro “A Mãe o Filho da Mãe” reeditado em 2003 pela Editora Oficina da Palavra, de Teresina-Piauí, onde esteve para o lançamento.  

O Menino e o Pinto do Menino

Os Rios Morrem de Sede
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