Premio Nobel de Literatura, uma impostura

NOTA DO PICINEZ
O poeta Carlos Drummond de Andrade também foi seriamente cogitado. Mas ele próprio, que sempre teve aversão a prêmios, desencorajou a candidatura. Quando, em 1967, Arne Lundgren, seu tradutor para o sueco, pediu que ele lhe enviasse todas as suas traduções disponíveis, certamente para atender a um pedido do comitê do Nobel, Drummond respondeu, bravo, que não colaboraria, quase que ordenando que ele interrompesse imediatamente o processo.


A Academia sueca analisa as obras propostas em sua própria língua (ter dez obras traduzidas para o sueco é condição sine qua non para concorrer) depois de devidamente recomendadas por membros de instituições avalizadas em seus respectivos países, havendo passado, também, pelo crivo dos especialistas locais nas línguas originais das obras em apreciação.
Na primeira edição do prêmio, em 1901, Liev Tolstoi (Rússia) perdeu para Sully Proudhomme (França), Em 1903 o norueguês Henrik Ibsen perderia para seu compatriota Björnstjerne Björnson. Quem lê hoje, ou sequer sabe da existência destes premiados?
A lista é longa e abarca praticamente toda a história do Prêmio. Quem lê os dinamarqueses Karl Gjellerup e Henrik Pontoppidan (premiados em 1917), os suecos Verner von Heindenstam (1916) e Paar Lagerkvist (1951), o finlandês Emil Sillanpää (1939) e o islandês Haldor Laxness (1955), os noruegueses Knut Hamsun (1920) e Sigrid Undset (1928)? Em 1909, a sueca Selma Lagerlöff foi agraciada com o Prêmio e cinco anos mais tarde será eleita membro da Academia, cargo que exerceu por um quarto de século, participando na seleção do Prêmio Nobel de Literatura.
Seria verdadeiramente estranho que August Strindberg, o maior dos escritores suecos, nunca tenha sido cogitado para receber o prêmio se os historiadores do Nobel não revelassem que ainda que tivesse apresentada a sua candidatura, ela não teria chances, pois o Sr. Carl David af Wirsén, primeiro Secretário Perpétuo da Academia, falecido em 1912, apenas um mês depois de Strindberg, fora seu encarniçado inimigo desde que o dramaturgo o fizera objeto de amarga sátira em seu livro O novo reino. Isto para ficarmos nos escandinavos e até a década de 1950.
É verdade que entre os premiados há nomes de maior peso e evidência internacional que os citados, contudo, eles pouco ou nada devem ao Prêmio. O fato é que a obra de nenhum dos ganhadores de real importância literária precisava deste prêmio, assim como qualquer dos outros se tornou grande escritor por havê-lo recebido. Os mestres William Faulkner (1949) e Samuel Beckett (1969) convivem no mesmo espaço criado pelo Prêmio com Sir Winston Churchill (1953), porque o termo literatura não designa apenas as obras de ficção, diz a Academia, e inclui reportagens, biografias e discursos políticos, acrescemos. Isto para ficarmos na língua inglesa.


Tolstoi, além de ter sua candidatura impugnada por uma questão burocrática, recebe uma reprimenda moral do Sr. Wirsén, segundo este, as obras religiosas, políticas e sociológicas daquele autor se opunham à idéia de governo, recomendando em seu lugar uma anarquia inteiramente teórica, e mais: totalmente ignorante da crítica bíblica, reescreveu o Novo Testamento com espírito meio racionalista, meio místico. Os grandes painéis da vida russa do século XIX que são os romances Guerra e Paz e Ana Karenina foram relegados olimpicamente.
Coerente foi a decisão de Jean-Paul Sartre ao recusar o galardão em 1964: aceitá-lo significava admitir a autoridade da Academia Sueca sobre a sua obra. Isto, aliás, não abalou a moral dos senhores acadêmicos, que não levaram em consideração tal recusa ao declarar que a atitude deste autor não obedecia a uma desqualificação do prêmio, mas à sua coerência ideológica. O Secretário Perpétuo de turno frisou na ocasião que o Prêmio Nobel exprime a apreciação da obra de um autor e não depende absolutamente de sua eventual aceitação. Ou seja: a premiação obedece aos critérios de um pequeno clube de um país periférico no que diz respeito à literatura e sua decisão é incontestável.
O premiado mais recente (2010) do continente hispano-americano é o ex-peruano (naturalizou-se espanhol) Mario Vargas Llosa.  Os outros são: Gabriela Mistral (1945) e Pablo Neruda (1971) do Chile, Miguel Angel Astúrias (Guatemala, 1967), Gabriel García Marquez (Colômbia, 1982) e Octavio Paz (México, 1990).
Jorge Luís Borges, candidato perpétuo, afirmava que lhe negar o Prêmio era uma antiga tradição nórdica. Em entrevista disse que sem importar qual venha a ser a literatura escrita na Argentina no futuro, também a este país lhe chegará a hora de ter o seu Nobel. Profecia coerente e válida para todos os países, segundo podemos verificar na história do Prêmio.


 Chama a atenção que Borges, tão sutil na sua leitura, nunca tenha questionado o sistema pelo qual se escolhe o ganhador do Nobel e morresse presumivelmente magoado por não o ter recebido.
Entre nós não faltam autores que, sabedores da constituição do Prêmio, como quem não quer nada vão sugerindo sua candidatura em clubes de província por eles prestigiados com sua presença desinteressada.
Talvez o Prêmio Nobel seja atualmente a maior, se não única, contribuição da Suécia à literatura mundial. A premiação, tanto pelo seu valor pecuniário (mais de um milhão de dólares) quanto pela data em que é realizada a cerimônia, lembra presente de Papai Noel, personagem, aliás, de origem escandinava e que sem qualquer justificativa evangélica, nas proximidades do Natal invade as vitrinas das lojas de grande parte do mundo cristão.
Extraído do blog Palavras, todas palavras com a permisão do JB Vidal.
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