domingo, 17 de outubro de 2010

Oswald de Andrade


Oswald de Andrade, em "O analfabeto coroado de louros", crônica publicada no Correio da Manhã em 8 de junho de 1952.

As ferraduras mentais do sr. Nelson Rodrigues trotaram longamente pelo "asfalto é nosso" de uma revista que desde a capa traz um tom laranja que não engana. Trata-se evidentemente de um comício laranja, onde só ele surra os seus maus sucessos e enche de invectivas as páginas mornas daquele repositório comportado de opiniões parlamentares, tímidas conversas moles sobre a Rússia e histórias do namoro de Bernard Shaw com Sarah Bernhardt.
Nunca em minha vida li um documento de insânia tão descosido, intempestivo e bravio. Não há lógica de louco que consiga acompanhar esse disco voador da besteira pelos corcovos, carambolas e girândolas em que se desagrega e pulveriza.

É melhor documentar que comentar.

O alarve que escreveu Álbum de família declara-se "espiritualista" e "antidivorcista". Raciocina ele assim: "Se a gente tem um pai só, por que não há de ter uma mulher só?"

Depois, num assomo de reacionarismo, diz que o homem de Marx é um homem inexistente. Está claro, a Rússia não existe.

Certo como está de que não atingirá a imortalidade aqui na terra, com sua coleção de torvas tolices espetaculares, opta sabiamente pela imortalidade da alma. Só assim poderá ele sobreviver.

O caso Nelson Rodrigues demonstra simplesmente os abismos de nossa incultura. Num país medianamente civilizado, a polícia literária impediria que a sua melhor obra passasse de um folhetim de jornalão de quinta classe. Mas não temos nem crítica nem críticos. E o caos trazido pela revolução mundial, que se processa sob todas as formas, permitiu que qualquer fístula aparecesse em cena vestida de noiva. A alta costura de Ziembinski -- Santa Rosa conseguiu que se consumasse a façanha teratológica.

Daí por diante, o insano ficou impossível. Veio Álbum de família e agora, num bom acesso de sã consciência, ele confessou que há mau gosto em seu teatro. Como se outra coisa houvesse! Guiado pela mão caridosa do sr. Tristão de Athayde, vamos ver o monstro contrito subir para o céu como num fim de mágica. Já crê em Deus e nos conventos e declara que "a única solução para o problema sexual é a castidade". Patetamente declama: "O homem que não compreende a grandeza de um convento não compreende nada!"

Se o sr. Nelson Rodrigues não fosse um taradão ilustre, mas de poucas letras, pensaríamos que se pudesse tratar de um convento do Aretino. Mas estamos certos de que nem dessa piada ele é capaz. Quem foi Aretino, seu Nelson?

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Capa de minha autoria para ilustração do post


Contato:
[41]3076-7631

3 comentários:

Celia Maciel disse...

Vou enviar para todos os meus colegas do pós em literatura brasileira da UFRGS. Antes, porém, gostaria de saber a origem do título. Me perdoa, eu ter dúvida, mas conheço a palavra “pincinez”, do francês, ou estou enganada? Em português “pincinê”, aqueles óculos do tempo do Machado de Assis. O título do teu blog quer dizer isto?
Graças pela atenção. Abraço bom,
CeliaM

João de Deus Netto disse...

Exatamente esse modelo de óculos usado pelo Machado de Assis e por mim na adolescência quando ganhei uma dessas relíquias, herança deixada por meu avô, e que todos diziam que se encaixava no meu visual de prof. Pardal. Teve outra influência por causa de uma página escrita pelo famosos jornalista David Nasser na lendária revista O Cruzeiro onde eu bisbilhotava suas crônicas, com pouco mais de 10 anos. Por trás do meu Picinês, era o nome da "coluna". Mas eu gostava mesmo era de desenhar. Escrever é complicado e paga-se muito caro pelos deslizes de uma língua tão cheia de "armadilhas".
Valeu, Celia.
Um abração.

amaral disse...

irmão talibah, essa sacada genial é sua cara, é nosso discurso não-verbal, esbarrado no mei da boiada do indizível.

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