sábado, 27 de novembro de 2010

Cruz e Sousa


Por Gilberto Pereira
O poeta curitibano Paulo Leminsk escreveu uma das melhores introduções de livros que já li. O seu pequenino e delicioso Cruz e Sousa – o negro branco começa assim:‘O Setor de Pessoal da Estrada de Ferro Central do Brasil vem, por meio desta, denunciar à Diretoria desta Empresa, que foi encontrado em poder de João da Cruz e Sousa, negro, natural de Sta. Catarina, um poema de sua lavra, com o seguinte teor:

Tu és o louco da imortal loucura.

O louco da loucura mais suprema,
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!



Pedem-se providências’.

Este livro é uma providência.


De ironia e anagramas

O livro de Leminski é uma providência contra a parvoíce. É claro que o que se pedia, pedia-se não por causa da falta do que fazer do poeta, a ponto de escrever um poema na hora do trabalho. Era pelo tema, o teor da poesia. Um negro fazendo versos sobre a loucura deveria ser um perigo iminente na cabecinha dos burocratas de coração de aço.

Cruz e Sousa – o negro branco só tem uma edição, que é de 1983 (Brasiliense, coleção Encanto Radical), mas em 2003 teve uma reimpressão. São 13 capítulos distribuídos em 80 páginas, em que o autor, brincando com as palavras, cria um perfil do poeta negro catarinense.

No primeiro parágrafo, já temos uma dimensão do que encontraremos no livreto, em que o autor define a vida de Cruz e Sousa como um oxímoro, figura de retórica que exprime a ironia.

É irônico, por exemplo, o fato de ser o poeta catarinense negro retinto, nascido num período escravagista, receber a melhor educação que se podia ter no Brasil da época e dominar a arte poética branca, dos franceses, alemães, ingleses, cantando sua condição de negro. Além disso, enquanto sobrevivia na miséria, sob o olhar atravessado dos outros, cultivava o espírito nas alturas.
Gilberto Pereira é jornalista em Goiânia.
Caricatura do post - João de Deus Netto feita a partir da foto da capa do escritor Paulo Leminsk.

Um comentário:

Maira Knop disse...

Jõao, DEUS está sempre ao lado dos menos favorecidos. Rezemos para que fique ETERNAMENTE ao lado dos BONS!

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