quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cabrera Infante


(clique e amplie a caricatura)


por Geneton Morais Neto (23 janeiro de 2004)

A barbicha que ornamenta o queixo do mais famoso exilado cubano, o escritor Guilhermo Cabrera Infante, dá a ele um certo ar de Leon Trotsky,o revolucionário abatido a golpes de picareta por ordem da patrulha stalinista. Sisudo na hora de tirar fotos, Cabrera Infante exerce,no entanto,uma fina ironia na hora de falar de suas três grandes paixões - a literatura,o cinema e a atriz Melanie Grifith. 

GMN: O senhor diz que perdeu o interesse pela obra de Gabriel Garcia Marquez quando um personagem começou a levitar,logo nas primeiras páginas. Como já tinha visto a serie da TV ''A Noviça Voadora'',não se animou a continuar a leitura.A hostilidade que o senhor exerce em relação a Gabriel Garcia Marquez não tem também razões políticas, já que ele apóia um governante que o senhor detesta - Fidel Castro? 

Cabrera Infante: ''Mas a adesão de Garcia Marques a Fidel Castro é posterior à leitura que fiz de ''Cem Anos de Solidão'' ! Se me interesso tanto por Jorge Luis Borges,não poderia me interessar por ''Cem Anos de Solidão'',um livro folclórico.Se o problema é encontrar um livro que trabalhe com elementos sul-americanos surpreendentes,então prefiro ''Grande Sertão : Veredas'' - de Guimarães Rosa - uma obra que, lamentavelmente, ninguém conhece. Além de ser um livro genuíno,''Grande Sertão Veredas'' faz contribuições extraordinárias à língua literaria. Vejo em Guimarães Rosa uma solidez e uma consistência extraordinárias. Aquele mundo é realmente mágico ! .Nada a ver com ''realismo mágico'' e todas essas porcarias. É um mundo mágico que afeta linguagem.Isto é que é importante.
Outros cultores do realismo mágico na América do Sul, como Isabel Allende, por exemplo, seguem fórmulas.Em Guimarães se encontra a verdadeira magia.Isto se encontra tambem em livros brasileiros anteriores,como Macunaíma - uma obra extraordinária.Já li mais de uma vez.
Minha primeira negação em relação à obra de Garcia Marquez vem de 1967.Sempre considerei seus livros de um folclorismo e um exotismo realmente desnecessários''.

GMN: Mas o senhor enxerga alguma virtude literária em Gabriel Garcia Marquez ?
Cabrera Infante : ''Não conheco a obra que Gabriel Garcia produziu depois de ''Cem Anos de Solidão''. Fiquei vacinado. Toda essa pseudo-mitologia sul-americana se manifestava através de uma prosa que não me interessa. É a prosa da ''belle ecriture''. A mim me parece absolutamente detestável''.

GMN: O senhor diz que Machado de Assis ''não tem rival''. Qual foi exatamente o livro que despertou tanta admiração ?
Cabrera Infante: ''Uso um trecho das ''Memorias Póstumas de Brás Cubas'' no epílogo de um dos meus livros - ''A Twentieth Century Job'', um volume de críticas de cinema. Isto aconteceu quando não muita gente se ocupava de Machado de Assis,pelo menos na órbita espanhola. A gente vê toda esta onda espanhola sobre romancistas do seculo XIX - que teriam sido grandes escritores. Se a medida for Machado de Assis, digo: não são !''

GMN: O senhor se declarou apaixonado pela atriz Melanie Grifith...
Cabrera Infante (num suspiro): "Ah, sim.....''

GMN: Já teve a chance de dizer pessoalmente que era apaixonado por ela?
Cabrera Infante: ''Os dois - ela e Antonio Banderas (N: ator espanhol casado com a atriz) - me convidaram para almoçar. Eu disse que não estava me sentindo bem. A verdade é que não queria conhecê-la, prefiro tê-la na imagem, não na carne, como se diz em inglês. É extraordinária. Naquele filme de Brian de Palma, ''Dublê de Corpo'', a cena em que ela começa a gritar sozinha numa estrada, sem se dar conta de que corre risco de vida, é um grande momento de Melanie Grifith como atriz''.

DECEPÇÕES

Cabrera Infante: ''Uma das pessoas com quem tive uma enorme decepção depois de vê-lo pela televisão e pelos jornais foi Fidel Castro. Tivemos contato íntimo. Em abril de 59, fomos a Washington,Nova Iorque, Montreal e ao Brasil, antes de seguirmos para Montevidéu e Buenos Aires. A intimidade de estar num avião para apenas vinte pessoas em companhia de Fidel Castro durante tantos dias me convenceu de que aquele indivíduo era um horror. Era um avião de hélice. Em direção ao Rio, o avião baixou para que víssemos a floresta amazônica. O piloto disse :''Comandante, estamos voando sobre a floresta ! ''Eu estava sentado no banco logo atrás de Fidel Castro. O que foi que aconteceu? Fidel ficou olhando a floresta não sei por quanto tempo. De repente, disse: ''Que grande país !''. Eu pensava que era admiração pelo Brasil. Mas ele disse: ''Aqui é que deveríamos ter feito a nossa Revolução!''.
Neste momento, entendi que Cuba era pequena para ele. Fidel se achava um lider tão grande que necessitava de um continente; não de uma ilha.''


GMN: Se, num acaso digno de uma das páginas de Garcia Marquez, o senhor se encontrasse com Fidel Castro hoje, num saguão de aeroporto, o que é que o senhor diria a ele ?
Cabrera Infante: ''Eu só diria uma frase : ''Você não acha que já chega?''.

Escritor de origem cubana, Guillermo Cabrera Infante nasceu a 22 de Abril de 1929, em Gibara, Cuba, e faleceu a 22 de Fevereiro de 2005, em Londres, Inglaterra, onde vivia desde 1966. 
Geneton Morais Neto – Pernambucano do Recife, trabalha na Globo desde 1985.

2 comentários:

Antonio Miranda disse...

Caro João de Deus,

Posso até concordar com o escritor Cabrera Infante quanto aos seus conceitos sobre Fidel, mas sobre a obra de Gabriel Garcia Marques, não. Por suas palavras ele não leu o "General em seu Labirinto"; nem tampouco "O amor no tempo cólera"; também não "Memória das minha putas tristes". Três livros apaixonantes do grande autor.

Mas está bem, Cabrera foi também escritor, com algum reconhecimento, acha que pode dizer o que quiser.
Mas não me influenciou, fazendo-me mudar de opinião sobre Garcia Marques, apesar de concordarmos sobre Machado de Assis, um chato admirável na linguagem e na revolução da língua no seu tempo. Mas tem minha inteira concordância quanto à obra e grandeza de Guimarães Rosa.

E é somente isto.
O tempo passa e acaba por levar as desavenças de muitos junto com a mortalha do esquecimento.
Não vou eu aqui, na minha sobrevivência, carregar no tempo que me resta a mortalha rancorosa de outros.

Grande Abraço.
Tonicato Miranda

Antonio Cícero da Silva(Águia) disse...

O sábio escritor Guillermo Cabrera
Infante, sempre fui uma imagem positiva no seu tempo de vivência, o que ainda hoje, estar a refletir com todo o seu saber que deixou, entre todos nós... Inesquecível escritor..

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