Marco Lucchesi é escritor, poeta, ensaísta, tradutor e nasceu no Rio de Janeiro em 1963. Entre diversos prêmios aos quais disputou e ganhou, destaca-se a chegada à final do Prêmio Jabuti de 2002. É professor de Língua e Literatura Italiana na Faculdade de Letras da UFRJ, onde ministra aulas na graduação e na pós-graduação, além de orientar dissertações e teses. Foi eleito para a cadeira de número 15, fundada pelo poeta Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, em eleição realizada em 3 de março de 2011.
Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão para o Balacobaco
"BIZÂNCIO" é o seu livro de estréia com poemas próprios. Nos diz Ivan Junqueira que, não é bem uma estréia, já que você verteu para o português grandes poetas de diversas nacionalidades. Você considera que fez o caminho inverso, indo da tradução para seus próprios poemas? O que aproveitou de sua experiência como tradutor?
De fato, Bizâncio é, como bem disse Ivan, não um livro de estréia porque a poesia é minha forma fundamental, é o meu habitus primordial e que naturalmente ganhou em Bizâncio a sua autonomia. Fiquei feliz pois com ele fui finalista do Jabuti desse ano. Acaba agora mesmo de ser publicado e tendo uma repercussão acolhedora na Itália o livro Poesie, escrito na minha segunda língua, o italiano, e com alguns poemas em árabe, que é uma das minhas paixões viscerais: o Oriente, o mundo islâmico, o mundo judaico, o mundo semita como um todo de que nós, portugueses, brasileiros, mediterrânicos, descendemos. Da minha experiência de tradutor colhi diversas situações e, como cheguei a escrever num artigo que abre o livro O Teatro Alquímico, já não sei onde começo e tampouco onde termino, tal a minha necessidade de con-fundir a tradução com a criação. No entanto, não me considero um tradutor, mas alguém que na tradução tem buscado uma das formas de expressão mais intensas e genuínas. A leitura dos outros não me ameaça, bem ao contrário, me alimenta e assim deveria ser.
Ainda em "BIZÂNCIO", vemos, no poema homônimo, uma opção pelo verso curto e de ritmo veloz... Poema que dá uma noção de movimento... de traveling. Por que esta opção?
Sim, o verso curto e veloz e o movimento me atraem de fato, mas Bizâncio não é tudo isso, Bizâncio também está marcado por poemas como os Sonetos, escritos à maneira antiga, à maneira da tradição, por assim dizer, provençal, que na Península Ibérica com as contribuições de Sá de Miranda e Camões se mantiveram até o século XVI. No entanto, guardo poemas extremamente longos em que não busco o ritmo veloz, mas a essencialidade, o osso, a pedra.
Inconvocados, impresença, incontecida, incontaminadas, são neologismos que dão a idéia de devir, de poder ter acontecido. Cria-se um véu de maleabilidade e dúvida. O poeta vê coisas e acontecimentos possíveis mas que não ocorreram. Ficamos com uma noção de abandono (Istambul já não é mais) e não de decadência. É isso? Como é o seu processo criativo? Acredita na inspiração?
A sua questão é muito acertada e, de fato, o neologismo é um recurso que encontra na poesia longas tradições, que podem remontar mesmo a Homero e, de modo mais especial, a Virgílio e a Dante. De fato, a impossibilidade é uma marca da minha poesia e este véu de maia, labilidade e dúvida a que você se refere me parece, essencialmente, o coração das coisas que vou buscando. E a sensação de abandono me parece igualmente uma visão muito clara do que se passa na poesia; um abandono de si para si, o que se torna efetivamente um imenso desafio e que marca, portanto, as formas da minha procura, e que não coincidem com a geografia, mas que nem por isso são avarentas com a geografia. E assim, portanto, tenho buscado esse abandono dentro de mim, no Brasil, nos sertões físicos de Euclides da Cunha, na Bahia, sobre os quais escrevi em Saudades do Paraíso, mas também no deserto, deserto do Saara, deserto da Mauritânia, nas pedras da Síria - abandono e inspiração ou algo que seja parecido com inspiração. Meu livro Os olhos do deserto trazem um pouco de minhas inquisições.
Para quem daria um Nobel de Literatura?
Bem, para quem eu daria um Nobel de Literatura? Para ninguém porque o Nobel não diz nada. Homero não tem Nobel, Shakespeare não tem Nobel. Eu não daria um Nobel para muitos, mas a questão do merecimento via Nobel não é algo que me comova de modo intenso. Aplaudo profundamente Saramago. Vejo que Saramago é indubitavelmente, " apesar do Nobel" , um dos maiores escritores de língua portuguesa de todos os tempos. Meu amigo Mario Luzi é um daqueles que " estão a merecer um Nobel". Conheci no Egito o Nobel Nagib Mahfuz e é um dos meus preferidíssimos prosadores deste fim de século tão árido.
Como classificaria a poesia brasileira hoje?
A poesia brasileira hoje é uma poesia extremamente rica, mas pouco conhecida, pouco espaço, grandes poetas em todas as regiões, de norte a sul, sudeste, nordeste. A força da poesia brasileira é extremamente fascinante e tem dado provas de ser contínua e riquíssima.
Tem alguma epígrafe que o acompanhe pela vida?
Eu não chego a ter uma epígrafe, mas a minha atitude diante da vida é de intensidade, de procura, de desespero, conhecimento como fogo e a poesia como esse incêndio. O conhecimento dos dois, a busca do mundo, do universo. Confundir-me buscando latitudes distintíssimas, que vão do Atlântico ao deserto, ao interior do Brasil, aos Alpes na Itália, leituras do mundo, o mundo das leituras, e buscando uma essência, uma vontade forte, porque para mim literatura e vida se confundem de tal maneira que uma, distinta da outra, não poderia e nem deveria viver.
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