terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A vingança de Rogério Pereira


ELIANE BRUM 
Jornalista, escritora e documentarista.


Quando propus a Rogério Pereira contar sua história nesta coluna, ele teve receio. Que alguns pudessem achar que usava sua vida como autopromoção. “O Rascunho não tem reconhecimento porque foi fundado pelo filho da empregada doméstica, mas porque tem qualidade”, disse. Rogério só aceitou porque sua história prova algo que tanto eu quanto ele acreditamos profundamente: que a literatura é capaz de transformar a vida. Se há uma história que vale a pena ser contada é esta – a de como cada um dá sentido à sua existência, pega à unha o pouco que tem e se lança de cabeça no território das possibilidades. Todos nós temos o nosso barril, com mais ou menos dor, mais ou menos peso, com outro nome. O que nos difere é o que fazemos com ele. A literatura, seja como leitor ou como escritor, nos permite transformar nosso barril em metáfora.

Ele está bem longe da imagem do jornalista desmantelado, dentes e dedos manchados de nicotina, uma ou duas doses de cachaça na mão, barriga de cerveja e torresmo de boteco. Pelo que tenho visto por aí, acho mesmo que esta figura clássica já pertence ao passado. Aos 37 anos, Rogério mantém o corpo em forma com três sessões de academia e dois jogos de futebol por semana. Usa uma argola em cada orelha, corte de cabelo milimetricamente despenteado, camisa branca de bom corte ou em cores sóbrias, capazes de manter um daltônico em segurança. Para ele, que alcançou Curitiba aos 6 anos com a família, a cidade será sempre “cinza, borrada pela neblina da infância”, como escreveu em uma de suas crônicas.

O Rascunho, jornal literário criado por Rogério Pereira, completou uma década de persistência. Baseado em Curitiba, tornou-se “o” jornal literário do Brasil. Nele há espaço para autores de todos os cantos do país, há espaço mesmo para quem está fora do mercado e longe da consagração. Tem assinantes mesmo em cidades pequenas como Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, Bom Despacho, em Minas Gerais, ou Parobé, no Rio Grande do Sul. O Rascunho resiste pela colaboração não remunerada de dezenas de pessoas, escritores, tradutores e jornalistas, que também têm lá seus próprios barris, prontos para encaçapá-los numa esquina em caso de distração.

O jornal é moldado, porém, à imagem turrona de Rogério Pereira. E chega aos dez anos porque ele é teimoso. Bem teimoso. Às vezes até difícil. Para alguns, “sincero demais”. Fazendo dívida ano após ano, ele vai terminar este ano de 2010 com um rombo de R$ 90 mil. Rogério vai empurrando, pagando velhos empréstimos, fazendo novos. Encantado porque ele, que só entrava em banco como office-boy, hoje tem crédito. E todo mês, quando imprime os 5 mil exemplares do Rascunho, Rogério ganha do barril.
O Rascunho começou sua história em 8 de abril de 2000, encartado no Jornal do Estado, de Curitiba. Era feito nas madrugadas e finais de semana e muitas vezes era preciso sacar dinheiro do bolso para que pudesse seguir adiante. Nestes primeiros anos, o jornal cavou uma fama de brigão, “iconoclasta e meio irresponsável”. Em suas páginas, Rogério e outros injetaram ironia e algumas vezes também crueldade, como no massacre do poeta pernambucano Sebastião Uchoa Leite...

Um rascunho completo da história do “jornal de literatura do Brasil” você encontra AQUI e AQUI

Arte/Caricaturas: João de Deus Netto - BlogPICINEZ

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