terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dickens foi a primeira celebridade global


O escritor inglês influenciou Dostoiévski e Kafka, era amado pelo alemão Karl Marx, se tornou tão conhecido quanto Shakespeare e Jane Austen e vivia de sua literatura

por Euler de França Belém

Depois de William Shakespeare, Charles Dickens, nascido há 200 anos, talvez seja o escritor mais importante da Inglaterra. Seu biógrafo mais recente, Peter Ackroyd, autor do cartapácio “Dickens — O Observador Solitário” (livro inédito no Brasil), garante que o escritor foi a primeira celebridade global. O crítico norte-americano Harold Bloom, no livro “Gênio — Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura”, pensa parecido: “Na Era da Informação, Dickens perde apenas para Shakespeare e Jane Austen, na condição de únicos escritores patentemente capazes de sobreviver ao domínio dos novos meios de comunicação. Em todo o mundo, Dickens perde apenas para Shakespeare, na qualidade de autor universal”. Mas o primeiro a se tornar universal, paradoxalmente, não foi Shakespeare ou Austen, esta redescoberta via cinema, e sim Dickens, na versão de Ackroyd. O autor influenciou, entre outros, Dostoiévski e Kafka, que o idolatrava. Curiosamente, Bloom bebe nas interpretações pioneiras de Edmund Wilson, autor do seminal ensaio “Dickens: os dois Scro­oges”, de 60 páginas, mas não o cita. O texto está no livro “11 Ensaios — Literatura, Política, História” (Companhia das Letras, com excelente tradução de José Paulo Paes). Escrito em 1939, o artigo promoveu um verdadeiro resgate do autor de “As Aventuras do Sr. Pickwick” como escritor sério, não apenas um criador de histórias típicas de entretenimento. A Inglaterra comemora os 200 anos do nascimento do criador de “David Copperfield” com exposição e lançamento de livros. Os jornais europeus, como “The Guar­dian” e “El País”, publicaram uma série de reportagens e análises sobre a vida e a obra do homem que encantou gerações com “Oliver Twist”. Uso como base textos do “El País”, citando eventualmente Blo­om e Wilson.

Karl Marx adorava ler as obras de Dickens e escreveu que o autor de “Grandes Esperanças” “havia proclamado mais verdades de fundo social e político que todos os discursos de profissionais da política, agitadores e moralistas juntos”. Wilson notou que a paixão de Dickens pelos deserdados tem origem na sua infância. O pai, um gastador inveterado, foi preso por causa de dívidas e Dickens teve de trabalhar numa fábrica de graxa. O menino de 12 sentia-se humilhado e desesperado. A crise pessoal foi transplantada à sua literatura, repleta de dor e alegria. Seu primeiro biógrafo, John Forster, autor de “The Live of Charles Dickens”, escreveu que “David Copperfield” é “filho” do trabalho do menino operário. O “problema” formou Dickens como escritor e homem. “O maior autor dramático que a Inglaterra teve desde Shakespeare”, pontuou Wilson, é filho de sua infância. O poeta Wordsworth acertou quando sugeriu que o menino é o pai do homem.


Além de escritor, Dickens foi jornalista. O sucesso de “As Aven­turas do Sr. Pickwick” permitiu que  ele se dedicasse à literatura a partir de 1836. Mas a fa­ma chegou com “Os Con­tos de Natal”, em 1843. Esteve na Itália, na França e nos Es­ta­dos Unidos, onde fez lei­tu­ras públicas e ga­nhou muito din­hei­ro.  “Ga­nhar di­n­heiro foi uma das obsessões de sua vida”, anota Guillermo Altares, do “El País”.

Em termos pessoais, Dickens era um homem complicado. Casou-se com Catherine, de quem se divorciou, e manteve um relacionamento com a atriz Nelly Ternan (no livro de Wilson, é Ellen). Teve dez filhos. Alguns se endividavam e ele tinha de pagar os credores. Tinha o hábito de fazer caminhadas noturnas e percorria, durante horas, até 30 quilômetros. Faleceu aos 58 anos, em 9 de junho de 1870. Estava esgotado, mas produzia muito. “Duzen­tos anos depois de sua morte, Charles Di­ckens segue guardando seu maior se­gredo: a essência de sua energia”, escreveu a ensaísta Verlyn Klin­kenborg, no “New York Times”.

Caricatura: João de Deus Netto - BlogPicinez


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3 comentários:

Márcia Sanchez Luz disse...

João, seu blog está muito bonito. Textos excelentes e caricaturas maravilhosas, próprias de quem tem sensibilidade.

Abraços

Márcia

Arthur Danton disse...

Rico de informações, o texto do Euler. Gozado como permanece mesmo em Dickens o rótulo de escritor de narrativas de entretenimento. E de vez em quando surgem artigos na imprensa destacando sua qualidade... Vou atrás das matérias do El País (que jornal!) e do ensaio do genial Edmund Wilson.
Abraços

Arthur

João de Deus "Netto" disse...

Que maravilha, o reconhecimento de vocês! Precisam ver mais, depois desta distinção.
Incentivo da melhor qualidade.
Obrigado e abrações!!!

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