sexta-feira, 11 de março de 2011

Caco Barcelos


O jornalista e escritor dispara: “A violência está na essência da sociedade”


Bruno Torturra Nogueira


(Musiquinha de suspense) O plantão da revista Trip informa: Caco Barcellos tem 58 anos. Como explicar a enxuta cara de 40 e poucos? A inveterada macrobiótica de que é adepto desde 1971, seus tempos de hippie? Não... considerando sua rotina de noites varadas em ilhas de edição, em checagens exaustivas e apurações rigorosas. Possivelmente sua aversão a drogas e álcool desde sempre. Hum... mas trata-se de um sujeito que vive em filas e saguões de aeroportos, em intermináveis dias cavando paranóico uma notícia que ele quer exclusiva no noticiário. Seu futebol religioso há décadas talvez dê pistas sobre o estado de pacata conserva que desfruta beirando os 60. Como assim, se Caco Barcellos é famoso por viver cutucando os mais ferozes vespeiros da violência brasileira? Os matadores fardados na PM e a estrutura do tráfico de drogas.
Seus dois livros campeões de venda, Rota 66 (que apontou em detalhes a ação dos matadores da Rota da PM de SP) e Abusado (em que conta a história do Comando Vermelho pela ótica do traficante Marcinho VP, morto pouco depois da publicação do livro de Caco), lhe custaram anos de investigação espinhosa e sérios boatos sobre juras de morte. Medo? Não é o caso. No fim de quatro horas de entrevista, só uma coisa resume a cara de moço do veterano: é que varando noites ou papando arroz integral, Caco adora tudo o que faz. E, enxuto que seja, as olheiras não mentem: Caco Barcellos é um homem esforçado. Ele sabe disso, uma das coisas pelas quais se gaba sem modéstia.
Modéstia, aliás, é algo que Caco mantém atado ao corpo baixinho. Sabe que precisa segurar o ego ao ser paparicado pelo povo, que lembra de suas matérias ao longo de décadas; ao combinar horário nobre da Rede Globo e prêmios de literatura como o Jabuti pelo best-seller Abusado, não-ficção mais vendida de 2003. Mas domar a ego trip não parece ser lá dos maiores esforços de Barcellos, de alma cicatrizada pela comunidade hippie. Em um arroubo de humildade, tão radical que beira a arrogância, desabafa: “Não há nada maior do que minha ignorância”.
Gaúcho de origem modesta, Claudio Barcelos está na rua desde moço. Taxista, era como se virava para as contas e a faculdade. Foi freelancer, se jogou na América Latina para reportar as guerrilhas setentistas na Nicarágua, trabalhou na Veja e na IstoÉ antes de ser seduzido finalmente pela televisão. Na Globo ganhou fama e uma boa renda, diga-se. Mas, pobre feliz que garante ter sido, nunca perdeu de vista o que mais gosta de fazer: achar na rua histórias de gente sofrida. E bater uma bolinha, pelo amor de Deus.
Vai ver que é isso, então. O tempo passa e Caco não muda. Se diz o mesmo repórter ansioso e com medo de errar do começo da carreira. Com a mesma gana de apontar o dedo para a brutalidade da polícia, dos bandidos e da sociedade que se acha vítima, mas carrega a violência no coração.
Nas palavras a seguir, a segunda Páginas Negras que ele concede à Trip, Caco conta o que aprendeu em quase 40 anos de rua, enfiado nas entranhas da guerra que assusta ricos e pobres do Brasil. Conhece os porões de delegacias e bocas de fumo, promotores e traficantes, pacifistas e matadores. Jura ser avesso ao risco e só não teme uma bala vingativa porque trata com respeito e imparcialidade seus alvos. Sem nunca ter pegado em arma na vida, dispara: “A violência está na essência da sociedade”. Eis o assunto de seu próximo livro, ainda em fase de gestação, muito cru para ser resumido ou ter um título. Só adianta que “é sobre a cultura da violência”.
Hoje as madrugadas de Caco estão condenadas por conta do Profissão repórter, programa que ele mesmo idealizou, em que chefia e apresenta uma jovem equipe de repórteres de TV. Com a inabalável fé na capacidade transformadora da informação, a mesma que, segundo ele, também alimenta a onipresente paranóia urbana, Caco segue de penteado impecável e microfone em punho atrás de histórias. De preferência do povão. Pois bem, o ex-taxista mais famoso do Brasil, aos 58 anos, ainda não deixou a praça.

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