segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Mia Couto e o exercício da humildade



Por Marilene Felinto

O principal escritor moçambicano diz que
é mais velho do que o seu próprio país e explica como se deu a influência do brasileiro Guimarães Rosa.

Mia Couto, nascido António Emílio Leite Couto, é um biólogo e escritor moçambicano. Chama-se Mia por causa dos gatos: “Eu era miúdo, tinha dois ou três anos e pensava que era um gato, comia com os gatos. Meus pais tinham que me puxar para o lado e me dizer que eu não era um gato. E isto ficou.”
Por que você tem tantas profissões? Medicina, por exemplo, você estudou quantos anos?
Mia Couto: Medicina eu fiz até o segundo ano; estudei três anos, repeti o segundo ano e repetiria infinitamente o segundo ano. Eu tenho tantas profissões porque não quero ter nenhuma. É uma estratégia de não ser coisa nenhuma. Porque a partir do momento que eu me entendo a mim mesmo como sendo biólogo ou sendo escritor ou sendo jornalista ou sendo outra coisa qualquer, eu acho que fecho algumas janelas para o mundo e passo a ter uma relação que depois se encaminha sempre por aí, e eu não quero. Acho que é um empobrecimento.
Teve medo de que a política engolisse o escritor?
Couto: Não, nunca sequer ocorreu-me de pensar nisso, porque enquanto a política foi uma coisa importante na minha vida, era importante porque eu me divertia, porque eu era aquilo. O processo depois de sedimentação, de diferenciação dessas duas áreas ocorreu tão naturalmente que não foi fruto de reflexão não, eu não me sentei a pensar no assunto.
Foi acontecendo e eu fui aprendendo que cada um, cada coisa tinha seu lugar. E também, eu acho que as circunstâncias de Moçambique ajudam muito, porque tu aprendes que ser escritor é uma coisa pequena, que faz muito bem ao ego. Os escritores pensam sempre que são muito importantes, que o mundo depende do que eles estão fazendo.
Aqui tu aprendes que não é tão importante, porque o universo dos que lêem é tão pequeno, o livro circula em áreas tão pequeninas que é uma espécie de aprendizagem de humildade que faz bem. Então tu tens, se queres contatar com outros, se queres ter outras áreas de comunicação, tu não podes depender do livro.
Você sempre estudou aqui? Nunca saiu? Você se diz muito influenciado pela literatura brasileira. Como foi?
Couto: Estudei aqui, e sempre vivi aqui. Eu acho que quando tomei consciência dessa contaminação pela literatura brasileira, eu já estava “doente”, no sentido bom. Acho que a minha geração e a geração anterior foram muito marcadas pela literatura brasileira. Havia uma certa redescoberta com Graciliano, com Jorge Amado, de que, afinal, a língua pode ser outra coisa.

O ambiente literário de Moçambique estava muito mais fortemente ligado ao do Brasil do que ao de Portugal. E por uma outra razão também, a censura, que era muito forte em Portugal, aqui, nesse aspecto era mias tênue. Eram vendidos aqui livros que em Portugal eram proibidos. Então, era mais fácil. Tudo, até aquela revista “O Cruzeiro”, lembra? Era uma coisa que tinha aqui uma difusão enorme. Quando chegava aqui “O Cruzeiro”, era uma espécie de janela para um outro mundo que era muito familiar, e nós nos reencontrávamos, mais do que lendo as coisas que vinham de Portugal.
E a influência de Guimarães Rosa?
Couto: Primeiro tenho que falar de Luandino Vieira, o escritor angolano, que é o primeiro contato que eu tenho com alguém que escreve um português que é arrevesado, que está misturado com a terra. E Luandino marcou-me muito. Foi o primeiro sinal da autorização de como eu queria fazer.
Eu sabia que eu queria fazer isso, mas eu precisava de uma credencial do mais velho que disse “esse caminho é abençoado”. E ele confessa que foi autorizado, também ele, por um outro, um tal João Guimarães Rosa que eu não conhecia, porque não chegavam aqui estes livros. Depois da Independência deixaram chegar livros do Brasil e é uma coisa irônica, do ponto de vista histórico.
Houve mais cruzamentos e trocas de livros no tempo colonial e fascista do que depois da Independência. Então, eu tinha este fascínio. Eu tinha que conhecer este João, este tal Rosa. E um amigo meu trouxe as “Terceiras Histórias”. E de fato foi uma paixão. Foi de novo alguém que dizia “isto pode-se fazer literariamente”. Mas, como tu dizes, eu já queria fazer isto, porque já estava contaminado primeiro por este processo que não é literário, é um processo social das pessoas que vêm de outra cultura, pegam o português, renovam aquilo, tornam a coisa plástica e fazem do português o que querem.
É um processo muito livre aqui. As pessoas misturam português e como dizia uma camponesa da Zambézia, “eu falo português corta-mato”, uma prova de atletismo que se faz através do mato, de trilhas. E pronto. Eu não faria isto se não estivesse marcado antes de Guimarães Rosa, antes de Luandino Vieira, se não estivesse marcado por isto que é um processo que não é só lingüístico, não é, nem letrado.
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