Apesar
de, ou justamente por causa de sua ambivalência política, filosófica e
biográfica, Thomas Mann permanece uma das grandes personalidades do século 20.
Ao
falecer em 12 de agosto de 1955 em Zurique, aos 80 anos de idade, Thomas Mann
contava como um dos maiores representantes da cultura germânica. Durante toda a
vida, cuidara com extremo esmero de sua imagem pública, criando um ícone que
contribuiu pessoalmente para abalar 22 anos mais tarde, com a publicação –
autorizada por ele próprio – de seus diários.
Neles
Mann figura como um autor vaidoso, doentio e inclinado a fantasias
homoeróticas. Um fato que, contudo, não diminuiu em nada o apreço de seus
leitores.
Segundo o professor
Hermann Kurzke, biógrafo e especialista na obra de Thomas Mann, o autor se
sentia perseguido por uma tendência erótica que não queria, nem podia realizar.
Apesar dessa constelação trágica, ele manteve certa distância irônica, dando
forma artística ao poder do instinto sexual, realizando até certo grau essas
fantasias em sua obra.
Apesar
de sua homossexualidade, Mann manteve um casamento e teve numerosos filhos com
sua esposa, Erika. Assim, alcançou uma distância talvez ainda maior em relação
a seus desejos do que se houvesse escolhido o celibato. Trata-se de uma ironia,
mas ao mesmo tempo uma concessão, a aceitação da necessidade de cumprir seus
deveres burgueses.
A
obra de Mann está povoada de figuras que, contrariando os próprios desejos e
instintos, cumprem suas obrigações de cidadão, assim como o autor. Assim, em Os Buddenbrooks ele narra o processo de decisão da
protagonista Tony de esposar um homem que na verdade considera asqueroso. Ela
sacrifica suas inclinações e a si mesma, em nome do dever. O aspecto burguês da
ironia manniana consiste em admitir heróis, mas não o heroísmo em geral.
Pássaro caído do ninho
Na
realidade, a vida de Thomas Mann não podia estar mais distante da tranqüilidade
burguesa de algumas de suas personagens. Ele nasceu numa abastada família de
comerciantes de Lübeck, em 6 de junho de 1875, o segundo de cinco filhos.
Mau
aluno, não conseguiu passar no abitur (exame conclusivo do segundo grau).
Seu pai, secretário de Finanças da cidade, faleceu quando Thomas contava 16
anos de idade. Três anos mais tarde, mudou-se com a mãe, a brasileira Julia
Mann (natural de Angra dos Reis, nome de solteira: Bruhns da Silva), para
Munique.
Nas
palavras de Kurzke: “De certa forma, ele era um pássaro caído do ninho, o ninho
da burguesia. Com a morte do pai, acabou-se esse seu mundo de origem. Na
prática, Thomas Mann era uma espécie de boêmio e, ao que tudo indica, não sabia
lidar bem com esse ‘não-pertencer-a-lugar-nenhum’. Tenho a impressão de que ele
deveu a esse choque inicial o estímulo de reconquistar a posição de seus
ancestrais”.
Com o início da
Primeira Guerra Mundial, em 1914, o escritor decidiu engajar-se na política, e
partilhava da euforia bélica generalizada. Entretanto seu entusiasmo arrefeceu
com a derrota alemã e o fim do Império. De modo gradual, porém certeiro, ele se
converteu ao republicanismo, até simpatizando abertamente com o socialismo.
Do nazismo para o mccarthysmo
Neste
ponto, publicou seu segundo grande romance, A
Montanha Mágica, que lhe
rendeu reconhecimento mundial. Em 1929, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.
Thomas Mann queria manter distância dos nazistas, que assumiram o poder na
Alemanha em 1933. De início, porém, tentou arranjar-se com eles, para não ter
que abandonar sua amada terra natal.
Forçado a fugir para
os Estados Unidos em 1938, mais tarde ele afirmou: “Onde estou, é a Alemanha”.
Sua maior obra, José e seus Irmãos, data dessa época de
exílio. Em 1947, publicou o emblemático Doutor Fausto, em cuja trama
filosófico-fantástica entremeou as idéias do compositor Arnold Schönberg sobre
a música contemporânea. Mann se empenhou com veemência contra os criminosos
nazistas, e após o fim da Segunda Guerra pretendia permanecer nos EUA.
Porém
a caça aos comunistas iniciada pelo senador Joseph McCarthy também atingiu o
autor alemão, que jamais fizera segredo de suas simpatias pela União Soviética.
Ele e a esposa Erika temiam ter que viver um novo totalitarismo e deixaram os
EUA em 1950.
Viajando
pela Europa, Mann recebeu todo tipo de homenagens e honrarias. Em 1954
estabeleceu-se na Suíça. Um ano mais tarde, em 12 de agosto de 1955, morreu de
câncer pulmonar.
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