por Natália Pesciotta
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"Engraçado. Eu pensava que o
senhor fosse um débil mental, mas agora, vendo que faz as coisas normalmente,
vejo que me enganei. Desculpa, foi por causa da pedra no meio do
caminho...". Carlos Drummond de Andrade, ou o "pedregoso", o "beletrista
mineiro", o "poeta perereca" ou "poeta cavoqueiro",
costumava ouvir esse tipo de comentário no ministério em que trabalhava.
O mineiro de Itabira precisou aceitar que o seu No Meio do Caminho era
poema-símbolo do modernismo e que seria sempre lembrado por ele – mais vezes
para o mal do que para o bem. Até as escolas ensinavam o conceito de
"modernismo-pedra-burrice-loucura", como definia. Saiu-se da
situação com uma de suas marcas mais peculiares: a ironia.
O poeta colecionou por décadas, em silêncio, tudo o que se escreveu sobre a
poesia. No aniversário de 40 anos da obra, em 1968, finalmente lançou Uma
Pedra no Caminho – A biografia de um poema. O livro juntava trechos de
jornais, revistas, programas de rádio e discursos que criticavam, citavam ou
faziam referência aos versos. "Se não fiz de minha dor um poema, como
pretendia Goethe, fiz da minha chateação um livro", brincava.
O material recolhido foi disposto em categorias, como Reação pelo Ridículo,
Muita Gente Irritada, Popularidade, Mesmo Negativa, Isto Lembra Aquilo. A
Pedra traz trechos em que a metáfora foi usada, organizados por assunto. Há
até um discurso de Luís Carlos Prestes no Comitê Nacional do PCB de 1945. O
autor não esquece nem de colunista político que usa o "tinha uma
pedra..." como "hino do Congresso", ou de jornalista do
cotidiano que cita as palavras para denunciar a precariedade de ruas
pedregosas e esburacadas.
Drummond também recortava a ele próprio nos jornais. Em um capítulo especial,
colocou as entrevistas que deu explicando a ideia de chateação e monotonia
que pretendia com as palavras repetidas. E um texto seu, já cansado:
"Não há nisto poema algum, bom ou mau. Há apenas algumas palavras que
podem ser encontradas facilmente no Pequeno Dicionário da Língua
Portuguesa".
Nem mesmo cartas de amigos ficaram de fora. "É o mais forte exemplo que
conheço, mais bem frisado, mais psicológico, de cansaço intelectual",
escreve Mário de Andrade. E Murilo Mendes: "No Meio do Caminho é o tipo
do poema no meio da cabeça da gente. Nunca me esquecerei. Não sai".
A segunda edição da biografia do poema, mais de 40 anos depois da primeira,
engrossou os arquivos de Drummond com mais páginas e páginas de citações e
referências posteriores ao livro e à morte do poeta. Uma prova de que Murilo
Mendes acertou, afinal: tantos anos depois, a pedra continua no meio do
caminho.
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