Durante
a ditadura, a literatura erótica de Cassandra Rios tornou-se alvo certo para os
censores. Produções vistas como pervertidas e pecaminosas eram desvios que
precisavam ser combatidos pelo Estado. Resultado: trinta e seis dos seus quase cinquenta
títulos foram proibidos na época.
O
sexo era assunto tabu. O prazer feminino não era concebido como uma
possibilidade, muito menos um direito. A religião regia a moral e os bons
costumes. Foi neste cenário adverso que surgiram os livros de Cassandra Rios,
no fim da década de 1940. Seus temas: o erotismo entre mulheres, os conflitos
internos e estereótipos associados a essa experiência. Tudo escrito de forma
direta e sexualmente explícita.
Tamanha ousadia resultou em um tremendo sucesso
editorial. Cassandra Rios, nascida Odete (1932-2002), tornou-se a pioneira da
literatura homossexual no país e manteve-se como principal autora do gênero
durante mais de trinta anos.
A escritora na época do sucesso editorial dos anos 60/70.
Na
maioria das vezes, ela lançava os livros por pequenas editoras, em alguns casos
com dinheiro do próprio bolso. Foi assim com o primeiro deles, A volúpia do
pecado, pago pela mãe da escritora, que, no entanto, nunca leria um livro da
filha. Hoje em dia, só é possível encontrar obras essenciais, como Copacabana
posto 6 – A madastra (1972) e Eu sou uma lésbica (1979), em bibliotecas ou em
sebos, pois estão esgotados e fora de catálogo. Recentemente, foram relançados alguns
títulos: As traças (1975), Uma mulher diferente (1980), onde o personagem
principal é um travesti, e o surpreendente Crime de Honra (2000), única obra
até então inédita, na qual Cassandra se aventura pelo universo homossexual
masculino.
Como explicar essa aceitação? Talvez, justamente por seu
estilo ousado e extrovertido. Era uma mulher escrevendo sobre o prazer com
outra mulher, e apresentando essa vivência como um caminho possível para a vida
afetiva e amorosa. Quando seus livros foram publicados, a sigla GLBT (Gays,
Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) estava longe de existir, não havia organizações
de homossexuais, e nem mesmo os meios de comunicação publicavam conteúdo
erótico. Em uma sociedade patriarcal e machista, a maternidade ainda era
considerada o principal papel feminino. Razão pela qual, embora um sucesso de
vendas, seus livros sempre foram encarados como marginais.
Tachada de “pornográfica”, a literatura de Cassandra Rios
não mereceu qualquer esforço de crítica naquele período. Porém, se ela não
primava pelo rebuscamento do estilo, tinha o inegável mérito de descrever de
forma aguda os conflitos subjetivos vividos pelos personagens: seus temores,
questionamentos, e o preconceito já internalizado.
ADRIANE PIOVEZAN é Mestre em
Estudos Literários pela UFPR e autora da dissertação "Amor romântico X
Deleite dos sentidos: Cassandra Rios e a identidade homoerótica feminina na
literatura” (UFPR, 2006).
Caricatura baseada em foto antes de falecer. Título do post tirado de uma definição sobre ela mesma, Cassandra Rios, em um dos trechos de seu
livro autobiográfico "Flores e Cassis":
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