sexta-feira, 4 de maio de 2012

MILTON SANTOS – O Espaço Dividido



Milton Santos nasceu no município baiano de Brotas de Macaúbas em 3 de maio de 1926. Ainda criança, migrou com sua família para outras cidades baianas, como Ubaitaba, Alcobaça e, posteriormente, Salvador. Em Alcobaça, com os pais e os avós maternos (todos professores primários), foi alfabetizado e aprendeu álgebra e a falar francês.
Milton foi um dos intelectuais mais importantes do país e também foi o maior geógrafo brasileiro. Escreveu mais de 40 livros. Publicou seu trabalho na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão, em Portugal e na Espanha. Deu aula nas principais universidades do mundo. Recebeu prêmios e foi o único pensador, fora do mundo anglo-saxão, a ganhar o Vautrim Lud, uma espécie de Nobel da Geografia.
Durante toda a sua vida acadêmica, Milton Santos buscou agregar a Geografia às contribuições de outras disciplinas: Economia, Sociologia, História, Filosofia. Nos últimos anos de vida, seu trabalho mostrava uma clara preocupação com a Globalização. Crítico dos processos econômicos que excluíam as nações mais pobres, Milton Santos acreditava num mundo mais humano, mais solidário e justo.
Em função de suas atividades políticas junto à esquerda, Milton foi perseguido pelos órgãos de repressão da ditadura militar. Seus aliados e importantes políticos intervieram junto às autoridades militares para negociar sua saída do país, após ter cumprido meio ano de prisão domiciliar. Milton achou que ficaria fora do país por 6 meses, mas acabou ficando 13 anos. Milton começa seu exílio em Toulouse, passando por Bordeaux, até finalmente chegar em Paris em 1968, onde lecionou na Sorbone, tendo sido diretor de pesquisas de planejamento urbano no prestigiado Iedes.
Permaneceu em Paris até 1971, quando se mudou para o Canadá. Trabalhou na Universidade de Toronto. Foi para os Estadoso Unidos, com um convite para ser pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde trabalha com Noam Chomsky. No MIT trabalha em sua grande obra O Espaço Dividido. Dos EUA viaja para a Venezuela, onde atua como diretor de pesquisa sobre planejamento da urbanização do país para um programa da ONU. Neste país manteve contato com técnicos da Organização dos Estados Americanos. Estes contatos facilitaram sua contratação pela Faculdade de Engenharia de Lima, onde foi contratado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para elaborar um trabalho sobre pobreza urbana na América Latina.
VEJA O CURRICULUM COMPLETO DE MILTON SANTOS AQUI

quarta-feira, 2 de maio de 2012

CASSANDRA RIOS - Flores e Cassis



Durante a ditadura, a literatura erótica de Cassandra Rios tornou-se alvo certo para os censores. Produções vistas como pervertidas e pecaminosas eram desvios que precisavam ser combatidos pelo Estado. Resultado: trinta e seis dos seus quase cinquenta títulos foram proibidos na época.
O sexo era assunto tabu. O prazer feminino não era concebido como uma possibilidade, muito menos um direito. A religião regia a moral e os bons costumes. Foi neste cenário adverso que surgiram os livros de Cassandra Rios, no fim da década de 1940. Seus temas: o erotismo entre mulheres, os conflitos internos e estereótipos associados a essa experiência. Tudo escrito de forma direta e sexualmente explícita.
Tamanha ousadia resultou em um tremendo sucesso editorial. Cassandra Rios, nascida Odete (1932-2002), tornou-se a pioneira da literatura homossexual no país e manteve-se como principal autora do gênero durante mais de trinta anos.
A escritora na época do sucesso editorial dos anos 60/70.
Na maioria das vezes, ela lançava os livros por pequenas editoras, em alguns casos com dinheiro do próprio bolso. Foi assim com o primeiro deles, A volúpia do pecado, pago pela mãe da escritora, que, no entanto, nunca leria um livro da filha. Hoje em dia, só é possível encontrar obras essenciais, como Copacabana posto 6 – A madastra (1972) e Eu sou uma lésbica (1979), em bibliotecas ou em sebos, pois estão esgotados e fora de catálogo. Recentemente, foram relançados alguns títulos: As traças (1975), Uma mulher diferente (1980), onde o personagem principal é um travesti, e o surpreendente Crime de Honra (2000), única obra até então inédita, na qual Cassandra se aventura pelo universo homossexual masculino. 

Como explicar essa aceitação? Talvez, justamente por seu estilo ousado e extrovertido. Era uma mulher escrevendo sobre o prazer com outra mulher, e apresentando essa vivência como um caminho possível para a vida afetiva e amorosa. Quando seus livros foram publicados, a sigla GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) estava longe de existir, não havia organizações de homossexuais, e nem mesmo os meios de comunicação publicavam conteúdo erótico. Em uma sociedade patriarcal e machista, a maternidade ainda era considerada o principal papel feminino. Razão pela qual, embora um sucesso de vendas, seus livros sempre foram encarados como marginais.
Tachada de “pornográfica”, a literatura de Cassandra Rios não mereceu qualquer esforço de crítica naquele período. Porém, se ela não primava pelo rebuscamento do estilo, tinha o inegável mérito de descrever de forma aguda os conflitos subjetivos vividos pelos personagens: seus temores, questionamentos, e o preconceito já internalizado.
ADRIANE PIOVEZAN é Mestre em Estudos Literários pela UFPR e autora da dissertação "Amor romântico X Deleite dos sentidos: Cassandra Rios e a identidade homoerótica feminina na literatura” (UFPR, 2006).

Caricatura baseada em foto antes de falecer. Título do post tirado de uma definição sobre ela mesma, Cassandra Rios, em um dos trechos de seu livro autobiográfico "Flores e Cassis":

"Como mulher eu sou, na definição exata de como me sinto, uma menina medrosa que se escondeu atrás de um pseudônimo, que se assustava e tinha medo de tudo, e hoje não tem medo de nada! 


terça-feira, 1 de maio de 2012

A CIRANDA DE LYGIA



Mario Rodrigues

Certa vez, Lygia Fagundes Telles ouviu da amiga Clarice Lispector a seguinte frase: “Não sorria em fotografias. Uma escritora sorridente não é levada a sério”. Lygia nunca obedeceu a esse conselho. Seus retratos ao longo dos anos, publicados em revistas ou jornais, estão cheios de sorrisos, em meio a algumas poses mais austeras. Nenhum deles impediu que ela avançasse na carreira literária. Não que a observação de Clarice Lispector fosse descabida, dada a condescendência com que as mulheres, no trabalho intelectual, podiam (e eventualmente ainda podem) ser tratadas. Mas o talento de Lygia era substancial demais para ser ignorado. E sua personalidade jamais permitiu que confundissem sua leveza com frivolidade.
“A história da minha família pelo lado paterno se encaixa naquele ditado: pai rico, filho doutor, neto mendigo. A neta fui eu”, diz a escritora. Em 1936, quando Lygia tinha 13 anos, ela e a mãe retornaram a São Paulo para uma vida de “classe média empobrecida”, enquanto o pai continuava com suas andanças pelo interior. Em 1941, ela ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, quando sua vida e a da cidade começaram de fato a se entrelaçar.
Lygia é uma daquelas personalidades de quem se costuma dizer que “conhece todo mundo”. Ainda nos anos 40, de boina e meias de golfe puxadas até o joelho (duas modas que diz ter lançado como aluna de direito), ela era ativa organizadora de saraus com autores famosos no grêmio estudantil. Trouxe a São Paulo para dar palestras Cecília Meireles e Érico Veríssimo. Ia com os amigos comer pipoca no apartamento de Oswald de Andrade, enquanto ele lia seus textos inéditos. E ouviu de Mário de Andrade a confidência de que ele se achava “um canhão”, num encontro relatado na crônica Durante Aquele Estranho Chá. O espírito sociável fez com que desenvolvesse laços com um grande número de escritores mais velhos ou mais jovens e com que se sentisse à vontade em instituições que muitos consideram vetustas – ela é imortal da Academia Brasileira de Letras e integrante, igualmente, da Academia Paulista de Letras . O medo de avião (“e do mosquito da dengue”) faz com que já não seja assídua dos chás da primeira, no Rio de Janeiro. Mas ela raramente falta aos encontros semanais da Academia Paulista, no Largo do Arouche.
Aos 85 anos teve de lidar com a perda de pessoas próximas. Pode-se encarar cada perda como uma amputação – mas Lygia tem outro método. “Há uma soma de seres que eu amei e que já se foram, mas, de um certo modo, eles ficaram um pouco em mim”, afirma em um de seus textos. “É difícil explicar com clareza, mas eu chamaria, assim, uma espécie de legado. E o fato é que me impregnei desse legado lá no indefinível que nos habita, a alma.” Seus livros contêm homenagens aos mortos. O posfácio da nova edição do roteiro Capitu, baseado no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, pode ser lido dessa forma. É um instantâneo de seu casamento com o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, no auge da felicidade doméstica. O casal morava num apartamento na Rua Sabará, em Higienópolis, endereço mágico na memória afetiva da escritora. Eles tinham dois gatos. Paulo Emilio a chamava de Kuko – referência ao relógio cuco de uma avó inglesa que, assim como Lygia, estaria sempre atrasado. Aqueles que conviveram com o casal dizem que foi tanto um grande amor quanto um relacionamento calcado na admiração. Paulo Emílio morreu em 1977, vitimado por um ataque cardíaco. Um detalhe ficou gravado na memória de Lygia sobre esse dia. Ele usava uma camisa de algodão estampada, com cavalinhos galopando num fundo azul-claro. “Quando eu vi a camisa jogada numa cadeira no hospital, soube que estava acabado.”
A morte do filho ainda não chegou aos textos de Lygia. Ele nasceu do primeiro casamento da escritora, com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., e é pai de suas duas netas, Lúcia e Margarida. Morreu em 2006, aos 52 anos, depois de um período enfermo e intranqüilo. “Eu fiquei trespassada, urrava de dor”, diz Lygia. Na sala de seu apartamento há uma cópia do livro O Demônio do Meio-Dia, do americano Andrew Solomon. Trata-se de um estudo sobre a depressão, um mal que Lygia experimentou. Ela atravessou vários meses à custa de calmantes. Fez análise, mas não encontrou alívio. Apesar das imagens de santos guardadas no apartamento, a religião tampouco era um consolo. “Eu não sou tão ligada a Deus”, diz ela. No fim, foi por meio do trabalho que ela se reergueu. “Um dia, eu disse: ‘Chega de pílulas’. E voltei aos meus escritos.”
Em breve, talvez haja um novo romance de Lygia. Ela faz um “T” com as mãos, como as atletas de vôlei quando querem interromper um jogo. “Está chegando a hora de pedir um tempo”, afirma. O método da autora sempre foi fixar uma narrativa na imaginação antes de passá-la ao papel. “Do mesmo jeito que, na infância, eu guardava borboletas dentro de caixas de sabonete”, diz ela. Há vários meses, Lygia convive com uma personagem. Sente que pode estar chegando o momento de aninhá-la em seu colo e escrever: “Então, eu vou ficar feliz”.

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