EM
87 anos, Gabriel García Márquez pôde transformar a América Latina, a
literatura, e todos os que tiveram o prazer de lê-lo.
por
Midori Hamada
CARLOS
FUENTES, escritor mexicano, conta que em 1966 quando voltava de um balneário em
Acapulco, García Márquez alcançou a inspiração para escrever o romance que
ruminava há mais de uma década. Abandonou o emprego, e se dedicou inteiramente
por 18 meses, oito horas todos os dias nas páginas de Cem Anos de Solidão, que
retrata a fantasista infância de Gabriel García Márquez. Cada personagem
carrega uma mistura das particularidades da família e conhecidos de Gabriel,
desde a febre da banana que se alastrou pela região de Aracataca e trouxe seu
pai, um imigrante sonhador e aventureiro, assim como José Acardio Buendía, que
via nos bananais a chance que também viam os estrangeiros que chegavam a
Macondo. Seu avô coronel, um dos fundadores da cidade de Aracataca, recebia
seus antigos soldados e companheiros militares em casa como o fazia o coronel
Aureliano Buendía. Ursula Iguarán se inspira em Tranquilina, que não apenas
empresta o apelido Ursula para a personagem como também a própria
personalidade. E não se pode esquecer a casa dos Buendía, que por si só já é um
gigantesco protagonista baseado no casarão dos avós, e que se lembra G. Márquez
: “En cada rincón había muertos y memorias, y después de las seis de
la tarde la casa era intransitable. Era un mundo prodigioso de terror (...) En
esa casa había un cuarto desocupado donde había muerto la tía Petra. Había un
cuarto donde había muerto el tío Lázaro. Entonces, de noche no se podía caminar
en esa casa porque había más muertos que vivos”.
► Em
1982, recebe o Prêmio Nobel de Literatura, o qual estava sendo disputado com
grandes nomes europeus da literatura, o escritor inglês Graham Greene e o
alemão Günther Grass. No recebimento do prêmio, discursou “A Solidão da América
Latina” e cantou seu amor dizendo: “Ouso dizer que é esta desproporcional realidade, e não apenas sua
expressão literária, que mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma
realidade não de papel, mas que vive dentro de nós e determina cada instante de
nossas incontáveis mortes de todos os dias, e que nutre uma fonte de
criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, da qual este errante e
nostálgico colombiano não passa de mais um, escolhido pelo acaso. Poetas e
mendigos, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas desta
indomável realidade, temos pedido muito pouco da imaginação, porque nosso
problema crucial tem sido a falta de meios concretos para tornar nossas vidas
mais reais. Este, meus amigos, é o cerne da nossa solidão.”
O nostálgico colombiano escolhido ao acaso foi capaz de distorcer maravilhosamente a existência e transparecer as superstições e dores de uma maneira, que mesmo em mundos fantasiosos e imaginários, tudo ainda é perfeitamente real e palpável. Gabriel retirou de cada aspecto factual camadas enrijecidas de significados rasos e controláveis, e procurou expor antes de tudo uma beleza extraordinária através de cesuras no que é simplesmente humano.
Gabriel García Márquez aposentou-se em 2009, mas continuou morando na Cidade do México e nesse mês de março de 2015 completaria 87 anos. Àquele que foi
atento e sensível às suas raízes, dando valor aos heróis particulares de sua
vida, celebrando-os e marcando-os imortais dentro de suas pequenas importâncias
e grandes existências, parabéns.
"...e que
em qualquer lugar que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era
mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera
antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de
uma verdade efêmera." Cem anos de solidão,Gabriel
García Márquez.