domingo, 19 de dezembro de 2010

Truman Capote



A sangue quente
por Márcio Calafiori
O monstruoso Perry — Acompanhado de Harper Lee — uma amiga escritora, autora de “O Sol É Para Todos” —, Truman Capote viajou para Holcomb em meados de dezembro de 1959, um mês depois do assassinato da família Clutter. Homossexual assumido, afetado, baixinho (media 1,58), com uma voz fininha de garoto, Capote se sentiu extremamente desconfortável naquele ambiente de “faroeste”. Virou a atração principal da cidade. Os moradores da cidadezinha imitavam os seus trejeitos e a sua voz, mas duas semanas depois era Capote quem os ridicularizava.      
            Até a prisão dos dois assassinos, ocorrida em janeiro de 1960, Capote só pretendia escrever uma boa reportagem para a “New Yorker”, sobre a reação paranóica da cidadezinha ao crime brutal. A revista tinha tradição nesse tipo de reportagem. “Hiroshima” (Companhia das Letras), de John Hersey, é um exemplo disso. Mas quando Capote conheceu Perry Smith, um dos assassinos, compreendeu então que o que tinha em mãos era algo grandioso: uma história intensamente trágica, protagonizada por um personagem ao mesmo tempo humano e monstruoso. E o personagem não precisava ser inventado: estava ali à sua frente!
Quarenta anos depois, “A Sangue Frio” ainda surpreende e choca. Capote reconstrói com detalhes como a família Clutter (além dos pais, um casal de filhos: Kenyon, de 15 anos, e Nancy, de 16) foi assassinada por Perry Smith e Dick Hickock. Nesse trecho, Perry conta ao investigador Alvin Dewey como ele e Dick agiram: “(...) Dick levou a lanterna quando fomos passar o esparadrapo na boca do Sr. Clutter e do menino [Kenyon]. Pouco antes de tapar a boca do Sr. Clutter — foram suas últimas palavras — ele me perguntou como estava a mulher dele (...) Disse pro Dick segurar a lanterna, colocar o homem [Sr. Clutter] em foco. Daí apontei a espingarda. A sala explodiu. Ficou toda azul. Era um clarão só. Nunca vou entender como não ouviram o barulho a quilômetros de distância (...)”.           
            O Perry Smith de “A Sangue Frio” é considerado pelo insuspeito Norman Mailer como uma das grandes personagens da literatura americana. Perry teve graves problemas emocionais. Criança ainda foi entregue a um reformatório, onde era insultado pelos colegas e apanhava das freiras por mijar na cama. Perry tinha sensibilidade artística. Queria ser poeta. Lia muito e colecionava palavras para aumentar o vocabulário. Este é um dos poemas de sua autoria que Perry mandou em carta para Capote:
                                
                               
                                “Para além das colinas distantes,
                                Os sons plangentes dos curiangos,
                                 Reverberam em rochas e regatos,
                                 Esse gemido tão plangente!
                                 É o tordo tantas vezes ouvido,
                                 Pretendendo fazer de si um absurdo,
                                 Ou apenas um pássaro melancólico,
                                 Na verdade, triste como eu.”  

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Márcio Calafiori é professor de Jornalismo da Universidade Santa Cecília.
Caricatura: João de Deus Netto
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Capa de minha autoria para ilustração do post.

Um comentário:

Sulamita Bulhões disse...

Cães Dobermans e cadelas de griffes. Muito bom. Capote fez um WeekBook nesse volume.
Excelente blog.

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