A relação dos homens com os livros, em particular a dos bibliófilos, aqueles que por eles se apaixonam, passa por três estágios. Primeiro, os homens pensam que conseguirão ler um número de livros maior do que de fato é possível. Num segundo estágio, consequência imediata do primeiro, passam a desejar ter em mãos o maior número possível de obras dos autores de quem gostam. Num terceiro momento, já siderados, surgem o interesse pelas primeiras edições, geralmente raras, e a atração pelo livro como objeto de arte. Esta última fase é definida pelo mais célebre bibliófilo brasileiro, o empresário paulista José Mindlin, como perdição. "Quando se chega a esse estágio, aquele que pensava em ser na vida apenas um leitor metódico está irremediavelmente perdido", confessa Mindlin. A patologia – doce patologia – está instalada em definitivo. Essa tese é defendida logo na abertura de Uma vida entre livros – reencontros com o tempo (Edusp-Companhia das Letras, 214 págs. R$ 42), texto confessional e ao mesmo tempo uma espécie discreta de autobiografia intelectual, em que o bibliófilo conta a história de sua paixão pela literatura.
O empresário ensina que a mais importante qualidade de um bibliófilo não é a fortuna, ou a erudição, mas a paciência. Ele relata, para os que duvidarem, a difícil história que viveu com a primeira edição de O Guarany, de José de Alencar, de 1857. O livro – que é hoje um dos tesouros de sua biblioteca – foi oferecido a amigos do empresário, nos anos 60, por um grego, que pedia por ele algo como US$ 1.000. Para desespero de Mindlin, que só veio a saber da oferta depois, nenhum dos amigos se interessou. Dez anos depois, a primeira edição da obra apareceu no catálogo de um leilão de raridades na Inglaterra. Ele fez a encomenda a um livreiro londrino, que acabou deixando o livro escapar porque o achou caro demais. Em 1977, Mindlin foi a um leilão de livros raros em Paris e lá soube que O Guarany estava disponível. Na viagem de volta, já com seu tesouro no colo, pelo qual pagou muito mais do que o preço original, Mindlin pegou no sono. Ao desembarcar, não se deu conta de que deixara o livro caído no tapete do avião. A Air France o achou, três dias depois, em Buenos Aires. Foi preciso esperar mais alguns dias até o volume chegar, são e salvo, a seu destino definitivo.
No final Mindlin ainda elenca seus autores preferidos, entre eles Balzac, Tolstói, Cervantes, Sterne e Virginia Woolf. A experiência o leva a dar bons conselhos. Em matéria de livros, garante, cada um deve ser capaz de fazer suas próprias escolhas. O leitor deve se permitir passar de Machado a Astérix ou de Shakespeare a Agatha Chirstie. O importante é o prazer da leitura. Tanto que resume seus sentimentos com uma frase: "Num mundo em que o livro deixasse de existir, eu não gostaria de viver."
José Ephim Mindlin (São Paulo, 8/9/1914 – São Paulo, 28/2/2010. Foi um advogado, empresário e bibliófilo brasileiro.
"Paixão e perdição" - Texto de José Castello, para ISTO É, 12/11/97
Caricatura: João de Deus Netto, sobre foto da sua famosa biblioteca.
Assista o vídeo o com o bibliófilo no ambiente que ele mais amava.
Contato: picinez@gmail.com
[41]3076-7631
3 comentários:
Impossível perder-se a chance de ouvir a voz da experiência literária, perceber o respeito embutido nas informações de José Mindlim e concluir a seguinte verdade: "Só os sábios administram a simplicidade."
abrspontob(ernadete ferraz)
Um P.S.: Meu amigo João de Deus, cada dose de Jenipapo News, atravéz das lentes de seu picinez, jogam a gente pra frente, viu?! Amei as lições do Mindlim.
José Mindlin visto com outros olhos! Já gostava dele e esse texto dá um pouco a ideia do homem, colecionador de livros, que ele iria ser! Abraço
Parabéns pela postagem. Amo ler de tudo um pouco ou um muito rsrs. Adorei.
Bj
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