FABIO VICTOR
Da Folha - Ilustrada
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Assim como o escorpião da fábula, Sérgio Sant'Anna não conseguiu fugir à sua natureza em "O Livro de Praga, que saiu pela Companhia das Letras.
Escalado pelo projeto "Amores Expressos", que enviou autores a várias partes do mundo com a missão de escrever uma história de amor ambientada na cidade escolhida, Sant'Anna foi a Praga e voltou sem uma história do amor.
Ou melhor, trouxe a sua versão do que pode ser amor.
O que acontece na Praga de Sant'Anna é muito sexo -- delírios, perversões e fetiches --, um sexo que em geral leva à perda e à morte.
"Quando vi, tudo tinha uma carga sexual e mortífera, são coisas que estão dentro de mim, e que, na hora do desejo irracional, saem", contou o autor.
"Não me senti em condição de entrar na pele de uma moça tcheca para falar do amor dela. Botar dois brasileiros também não faria sentido. Então a coisa aconteceu dessa forma."
Melhor para o leitor. “O Livro de Praga” é uma obra de encomenda, o que de saída artificializa qualquer trabalho literário, mas é, antes de tudo, um novo Sérgio Sant'Anna, e é também um típico Sérgio Sant'Anna, o que, para as letras nacionais, não é pouca coisa.
O lançamento interrompe o maior intervalo produtivo da sua carreira. Sem publicar desde 2003, quando saiu o livro de contos "O Voo da Madrugada", vencedor do Jabuti, o escritor carioca de 69 anos revitaliza neste inédito sua prosa engenhosa.
HÍBRIDO
O livro traz sete narrativas (ele rejeita que se as defina como contos) interligadas, formando um todo que tampouco é classificável, pois um híbrido de gêneros.
O narrador é Antônio Fernandes, alter ego de Sant'Anna que flana por Praga numa libertinagem calibrada por doses de absinto, becherovka (bebida típica tcheca) e chá de cannabis.
No percurso, foge dos clichês turísticos e é enredado numa teia de sexo sem freios.
Suas parceiras são uma santa (com a qual copula na cruz), uma boneca de teatro negro de sombras, uma suicida, uma pianista misteriosa, uma jovem que tem tatuado no corpo o manuscrito do que seria um inédito de Kafka e uma oficial da polícia tcheca que não tira as botinhas na hora do sexo (e pede que ele a espanque com o cinto do uniforme).
É tudo ficção, claro.
Mas, indagado sobre o quanto dele mesmo há no narrador, Sant'Anna é franco. "É todo o meu inconsciente que está ali. Há um Sérgio Sant'Anna que não é o Sérgio Sant'Anna racional, é uma voz dentro de mim que me dita aquelas coisas, quando vejo tô escrevendo."
Sobre eventuais reclamos da Igreja pelo sexo com a santa, o autor esclarece que tomou cuidado de não mexer com uma santa real.
Mas não se preocupa em incomodar a instituição. "A Igreja Católica é uma coisa que me aborrece profundamente. Se vier [a causar problemas com a Igreja] é até bom, porque me ajuda a divulgar os livros. Mas não vai ter, porque eles não leem [minha obra], se lessem me ajudariam a divulgar."
BEBIDA E DROGA
Sant'Anna relata que, mais que a becherovka -- que achou doce, "bebida de mulher"--, o absinto, destilado de altíssimo teor alcoólico, lhe ajudou a criar o livro.
"Eu ia num pub e ficava tomando absinto. Me sinto bem em ficar no balcão de um bar observando as pessoas. As pessoas animadas e eu ali sozinho, curtindo meu absinto. É uma bebida que tem aquela aura romântica, da época de Baudelaire, Rimbaud... Quase como se fosse bebida e droga ao mesmo tempo."
Um comentário:
Li quase tudo de Sérgio Santana nos anos 70 e 80, achava-o instigante e desafiador. A partir dos 90 ou mudou ele ou mudamos nós... Não consegui mais ter tesão pelo texto do cara... Tenho vontade de reler Confissões de Ralfo, Notas de Mandredo Rangel, repórter, a respeito de Kramer, Simulacros e Romance de Geração...
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